Por fim, a dança também modifica a forma como o corpo se apresenta para nós. A percepção de nossa própria imagem corporal, conquistada a partir dos sentidos, é fortemente influenciada por atitudes emocionais, que dependem, segundo Schilder (1994), de “canais de abertura” do nosso corpo, frequentemente tolhidos na fase adulta por conflitos de valores éticos, étnicos, sociais, morais, etc.. A sensualidade em modalidades de dança é um exemplo das correntes que podem ser viabilizadas por esses canais, rompendo com o corpo social massificado. Logo, a prática da dança influencia inclusive na formação da identidade do ser humano, como “afirmação de maneiras diferentes de ser, de sentir, de perceber e agir de ser e que permitem a possibilidade de construção da autonomia e liberdade” (Guatari, 1987). Esse domínio é parte fundamental da consciência corporal.
A melhora da consciência corporal é um dos clichês dos benefícios da dança para o ser humano. O que poucos sabem é que essa melhora não está relacionada apenas à percepção das diversas partes do corpo e de seu maior controle. A consciência corporal passa pela imagem que o indivíduo tem do seu próprio corpo, bem como da expressividade capaz de imprimir a ele - ou em outras palavras, a capacidade de se comunicar com ele, que pode ser chamada de linguagem corporal.
A propriocepção é uma das primeiras capacidades do indivíduo a ser aprimorada pela dança. Ancorada na capacidade do organismo de ter consciência da posição relativa dos nossos membros, de perceber os movimentos articulares e de avaliar a resistência que se opõe a determinado movimento (Schmidt, 1980), ela se baseia em receptores de sensibilidade profunda (proprioceptores) presentes nos músculos, fusos musculares, tendões e cápsulas articulares.
Segundo Nanni (2005), esses sensores são essenciais no desenvolvimento da sensibilidade postural, cinestésica e para força no indivíduo, e são amplamente trabalhados no aprendizado da dança. Embora naturalmente sejamos capazes de estabelecer certa simetria entre as posições dos membros sem nem mesmo recorrer aos estímulos visuais (Schmidt, 1980), por exemplo, não é possível indicarmos a posição das nossas articulações com precisão, a não ser que sejamos treinados para isso. Além disso, movimentos de rotação, obdução e adução possuem receptores altamente sensíveis nas articulações, e são movimentos largamente empregados em danças, contribuindo para a sensibilidade postural do corpo.
Em suma, a dança, segundo Nanni (2005), vai ao encontro das necessidades do homem contemporâneo enquanto atividade física e comunicação não-verbal, uma vez que tem o potencial de desenvolver nele as referências de si mesmo através da percepção de estados de tensão/relaxamento, de potências motoras e de consciência da própria imagem corporal, dos outros e do ambiente.
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REFERÊNCIAS:
Nanni, D. (2005). O Ensino de Dança na Estruturação/Expansão da Consciência Corporal e da Auto-estima do Educando. Fitness & Performance Journal, vol. 4, núm. 1, enero-febrero, pp. 45-57. Rio de Janeiro.
Guatari, F. (1987). Revolução molecular: pulsões políticas do desejo. São Paulo: Brasiliense.
Schilder, P. (1994). A imagem do corpo (3ª ed.). São Paulo: Martins Fontes.
Schmidt, R. F. et all. (1980). Fisiologia sensorial. São Paulo, EPU, Springer, Ed. da Universidade de São Paulo
COMO FAZER REFERÊNCIA A ESTE ARTIGO:
Lopes, M. C. (2020, janeiro 22). Sensibilidade, expressão e imagem: entenda como a dança pode melhorar a consciência corporal
[Blog]. Recuperado de: http://www.mariacristinalopes.com/sensibilidade--express-o-e-imagem--entenda-como-a-dan-a-pode-melhorar-a-consci-ncia-corporal---psicologia-da-dan-a.html
“O corpo, presença no mundo: local das ações, emoções, fantasias, desejos que geram significações explicitadas pela expressão corporal (atitudes, sentimentos), realizada pelos gestos/movimentos em ação/representação dos vários tipos de corpos. A ação/representação transforma-se em significados, cujos significantes constroem o pensamento, e deste, a linguagem corporal possibilitada pela percepção consciente”. (Nanni, 2005)
A sensibilidade cinestésica corporal - capacidade de percebermos a direção e velocidade de um movimento - se apresenta quase óbvia na dança: o domínio cresce à medida em que os movimentos são aprimorados, ou mesmo desenvolvidos dentro de um ritmo ou coreografia. Já a força é de grande importância em saltos e quedas, de forma que a atividade é essencial para avaliar a força muscular necessária para a execução de um movimento ou para manter a posição de um membro contra a resistência.
Contudo, o sistema sensorial é apenas uma parte da consciência corporal, que deve ser estimulado para transferir as informações para o cérebro. Lá, será formada a percepção consciente do corpo, permitindo situá-lo no espaço e no tempo, estimando deslocamentos e reconhecendo ações exteriores. Nesse sentido, o corpo é ao mesmo tempo agente e sujeito da percepção: ao mesmo tempo que é sensível aos estímulos, é preparado para cada vez mais para efetuar a abstração da realidade e entregar respostas mais fidedignas, sendo, portanto, educado.
A ideia de consciência corporal se expande uma vez que nos aprofundamos em uma concepção neurológica: ao passo que a atividade do neocórtex está extremamente ligada aos órgãos dos sentidos, os movimentos também aparecem intimamente relacionados ao estímulo do sistema límbico. Esse sistema compreende geradores de sensações subjetivas, como medo, excitação, prazer, satisfação ou desprazer, e está conectado à motivação e aos sentimentos associados a cada movimento. Logo, a expressão conquistada pouco a pouco, a capacidade de se comunicar conscientemente através da linguagem não-verbal, corporal, é benefício diretamente ligado ao aprendizado da dança.
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