Faz parte do senso comum relacionar o conceito de motivação com cenas de superação, sobretudo no esporte: o sucesso diante de obstáculos que antes pareciam intransponíveis; recordes quebrados; horas e horas de treinos em busca do melhor resultado, ou no caso da dança, da técnica perfeita. Disciplina e dedicação caminham, lado a lado, do que entendemos por motivação: a força, a vontade e a determinação que movem o ser humano em prol de feitos incríveis.

Mas será que a motivação é mesmo isso - ou pelo menos, apenas isso? Para responder a essa pergunta, é necessário compreender o que significa o conceito de motivação em um nível mais direto: é, basicamente, o conjunto de motivos, razões e estímulos que levam um indivíduo a adotar um comportamento. Nesse ponto, é possível perceber o primeiro indício de que a imagem comumente identificada como motivação não se trata exatamente dela: a disciplina, por exemplo, é um comportamento, estimulado por um agente motivador, e não um sinônimo.

Na dança, compreender que motivação e disciplina não são a mesma coisa pode fazer uma diferença bastante significativa. Isto, porque, por exemplo, uma criança que pratique a dança e seja extremamente disciplinada ou talentosa pode fazê-lo por diversas razões: pelo prazer de se dedicar; pela alegria em aprender e dançar; pelo objetivo de se tornar profissional; pela vontade de sobressair entre os colegas; para se sair bem em apresentações ou competições; para receber elogios; para satisfazer à vontade dos pais; entre muitos outros motivos. 

Novamente, cabe ao professor de dança, o condutor de todos esses processos, avaliar se sua didática propicia ou não espaços de criação para seus alunos. Muitos ambientes de dança, em especial da dança clássica, estão dominados pela disciplina excessiva e reprodução técnica de movimentos, e pouco voltados a proporcionar variedade de experiências e oportunidade de criação para seus aprendizes. Se espera-se mais criatividade da nova geração, é necessário mudar isso.

REFERÊNCIAS


Lourenço, A. A., & De Paiva, M. O. A. (2010). A motivação escolar e o processo de aprendizagem. Ciências & Cognição, 15(2).

Bergamini, C. W. (2003). Motivação: uma viagem ao centro do conceito. GV EXECUTIVO, 1(2), 63-67.


COMO FAZER REFERÊNCIA A ESTE ARTIGO: 

Lopes, M. C. (2022, junho 08) Motivação na dança: além da disciplina e dedicação.​ [Blog]. Recuperado de: https://www.mariacristinalopes.com/motiva--o-na-dan-a--al-m-da-disciplina-e-dedica--o.html

Motivação na dança: além da disciplina e dedicação

Gabriela Romão. Jornalista formada pela Universidade de São Paulo (USP), é especializada em escrita científica. Estuda dança desde 2016, com ênfase em modalidades de dança de salão.

Contatos: gabi.r.romao@gmail.com | @romaogabriela

Maria Cristina Lopes. Sou formada pela PUC-Rio e mestre pela Universidade de Coimbra. Trabalho com a dança desde 2013 e desenvolvi o 1º curso de psicologia da dança do Brasil em 2016. Sou defensora da área de psicologia da dança, atendo bailarinos, ofereço consultoria para escolas e companhias e capacito professores e psicólogos nesta área promissora.

Contatos: mariacristinalopes@gmail.com | +55 21 990922685

Maria Cristina Lopes Quando a mente está leve a dança flui Psicologia da dança

Da mesma forma, um aluno que talvez não seja tão disciplinado ou talentoso também tem suas próprias motivações (ou falta delas): ele pode estar em uma turma de dança única e exclusivamente porque seus pais desejam; ele pode gostar de dançar, mas não querer se profissionalizar; ele pode estar na dança em virtude das amizades que faz ali; ou ele pode até mesmo ter o desejo de seguir com a dança como profissão, mas lhe faltar a funções executar as tarefas. 

Em suma: em ambos os casos, não há indivíduos motivados ou desmotivados, simplesmente; todos tem suas próprias motivações, que os fazem ter determinados comportamentos. E entender essas motivações é o que pode fazer diferença na hora de melhorar o aprendizado, o desempenho e o bem estar na dança.


Agentes internos e externos e como motivar os bailarinos

No geral, as motivações humanas podem ser classificadas em dois grupos: as motivações geradas por agentes externos e internos. 

Quando falamos em motivação externa, o determinante do comportamento do indivíduo está no ambiente. São exemplos dessa motivação os elogios do professor, os vínculos sociais em sala de aula, prêmios, competições, a vontade dos pais e familiares, entre outros fatores. Já a motivação interna ocorre quando a determinante do comportamento está na vontade do indivíduo: seus objetivos pessoais, metas, sonhos e gostos.

É importante entender que, quando falamos em dança ou qualquer outra atividade, bem como nos comportamentos que o indivíduo apresenta ao praticá-la, dificilmente haverá apenas um tipo de motivação. Por mais que um bailarino ame a dança, por exemplo, seus comportamentos serão influenciados também por motivações externas. As motivações estão diretamente relacionadas ao contexto e, geralmente, existe um conjunto de motivações que fazem com que o indivíduo tenha determinado comportamento.

Pegue-se o exemplo de um adolescente de classe média alta que pratica balé em uma companhia de dança e tem todo o tempo livre para se dedicar à atividade em comparação a um adolescente que precisa trabalhar para ajudar no sustento da casa e só consegue praticar balé graças a um projeto social de sua comunidade. Qual deles pode ter mais facilidade em escolher o balé como sua profissão, correndo o risco de ser mal remunerado, se lesionar ou não conseguir se profissionalizar de fato? 


Dado que as motivações são, portanto, mistas e complexas, é função do professor ou profissional à frente de um grupo/instituição de dança atuar de acordo com as motivações de seus dançarinos, e, ao mesmo, tempo, incentivar as motivações externas que possam contribuir para um melhor desempenho e para uma prática saudável da dança.

Para que isso seja possível, o primeiro passo é compreender as motivações intrínsecas e extrínsecas dos dançarinos. Nesse sentido, a experiência é fundamental (ser um bom observador é parte do processo), mas entrevistas, questionários e conversas também são ferramentas possíveis para entender essas motivações, como também o nível de autoestima e autoeficácia dos alunos ou bailarinos.

A partir disso, é possível criar um ambiente motivador. Trabalhar as relações interpessoais e criar estruturas como competições e apresentações, por exemplo, são caminhos possíveis e, frequentemente, muito eficazes no desenvolvimento de motivações externas. Mas desenvolver os fatores que influenciam as motivações intrínsecas de cada grupo, como a autoestima, as competências internas e as funções executivas (habilidades), também é importante.

Por fim, é necessário entender que desenvolver as motivações extrínsecas e intrínsecas não deve significar manipulação. Se um aluno dança apenas por prazer, ou porque gosta fazer amigos, e não se interessa por competições e apresentações, ou mesmo pela profissionalização, ele não deve ser obrigado a fazê-lo e nem ser excluído do grupo. O limite da motivação é, portanto, a individualidade de cada um.